Ana
Maria
Maiolino


É

12ª edição
10 de setembro a 30 de outubro de 2010

é

“O ato de transcender a si próprio é,
por toda parte, o ato supremo –
o ponto originário – a gênese da vida.
Tal como a chama, que é um ato
semelhante.”
novalis

O desejo de Anna Maria Maiolino é tocar no que “é”. Mas o que significa isso? Significa dizer que a realidade é transparente, e o mistério, aparente. Significa dizer que Maiolino busca despertar, através de sua obra, o mistério como aparência. Talvez a imagem da primeira aparição de Deus a Moisés possa exemplificar metaforicamente o que estou procurando expressar. Deus se apresenta na imagem de uma sarça ardente. Um fogo que não consome o arbusto que está queimando e que quando perguntado por Moisés como deve apresentá-lo aos outros homens responde: diga que sou o que é. Em outras palavras, “o que é” é o mistério da essência. Não é imprescindível que a potência se realize – que se consuma -, mas é fundamental que a potência se revele como essência imanente. A aparência com que Deus se apresenta não é a do fogo que queima e destrói, mas a da força capaz de arder sem destruir: potência criadora. No episódio da sarça ardente, Deus torna aparente a sua potência como essência criadora, sem intermediações: simplesmente “é”.
O que Anna Maria Maiolino busca explicitar por meio de sua obra é, no Projeto Respiração, é a arte como energia criadora. O fogo simbólico de Prometeu, que é o desejo do homem de descolar-se do imediato da vida para atingir níveis de percepção mais apurados por saber-se consciente da vida, Maiolino introduz na sua videoinstalação através da figura feminina de vermelho que caminha silenciosamente levando adiante a chama do desejo criativo da paixão e do conhecimento. A artista projeta nessa figura a força da resistência e da permanência da arte, mas, ao mesmo tempo, habita a casa com sons que trazem de volta a vida nas suas múltiplas dimensões, que a casa ao tornar-se museu, paralisou. São sons que chamam pelo nome de Anna, pelo nome de Sandra, a performer; é o som da flauta de seu neto; são sussurros e falas incompreensíveis, respirações e suspiros; é a voz cansada de Anna declamando Santa Teresa de Ávila:

Vivo sem viver em mim.
E de tal maneira espero,
Que morro porque não morro.

é é uma espécie de resistência que a vida cria por superposições e camadas de sentido que Anna traz consigo e descobriu também ao conviver com a casa, que são os medos, os desejos e os sonhos de Eva Klabin. é é a misteriosa estátua de Santa Teresa de Ávila, que atrai tanto os visitantes do museu, recoberta por um manto vermelho durante a performance do dia da inauguração.
é é a cama de Eva klabin com uma colcha vermelha cheia de ovos, tributo da artista ao maior de todos os mistérios – a fecundação. é é mais que tudo não esconder o desejo e o mistério. É fazê-los cúmplices da arte e revelá-los sem temor, na sua transparência.
é é uma intervenção substantiva, que se pretende direta e indicativa, sem subterfúgios, porque busca explicitar o mistério; que é ser o que é. Não busca o ser das coisas, mas a pulsão que as habita, que não é outra coisa que não elas mesmas. Esse mundo blindado que a artista cria é de pura consistência metafísica, que ela nos apresenta despida de qualquer transcendência.
Maiolino, na sua intervenção, nos oferece uma multiplicidade de camadas de sentidos, reservando para cada um de nós a possibilidade de transitar pelos espaços da casa permitindo-se experimentar a difícil, delicada e arriscada experiência da imanência.
é é uma intervenção que não tem a pretensão de nos ensinar nada; ao contrário, quer simplesmente nos oferecer a possibilidade de experimentar o sentido da multiplicidade da diferença, que cada um de nós traz consigo por sermos singulares. Esse sentido único, que pertence a cada um de nós, é para Anna a possibilidade da experiência da diversidade. Esse uno que determina a diferença é a explicitação do mistério, que a artista tenta nos apresentar de forma direta, simples e imediata na sua intervenção do Projeto Respiração. A casa de Eva Klabin permitiu que Maiolino lidasse diretamente com o outro, que é Eva, e descobrisse aqui, num tempo paralisado por uma vida, um desvio que nos permite nos questionar experimentando a diferença como mistério pulsante; carne do mundo.

Haverá tantos mistérios quantos indivíduos.
Haverá tantos sentidos quantos indivíduos: é

Marcio Doctors

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